quarta-feira, 28 de maio de 2008

FUMO E FOGO NO MILLENNIUM BCP


No “caso BCP”, a presunção da inocência não tem sido bem tratada. Foi torpedada entre as cautelas que têm visado evitar perturbações adicionais na estabilidade da instituição e as complexas lutas pelo poder e influência que continuam a suscitar escaramuças que envolvem accionistas e órgãos sociais.
As demoras no apuramento das alegadas irregularidades e de quem teve responsabilidades na sua prática impedem uma clarificação. Os accionistas deviam poder tomar decisões sobre o sentido de voto nas assembleias gerais com base em factos concretos e provados pelas autoridades de regulação.

Mas não tem sido assim. Aquilo que se vêem obrigados a ponderar são as escolhas entre o que lhes possa parecer suspeito e o que se lhes apresente, na aparência, como terreno limpo. O domínio subjectivo do bom senso e dos interesses de cada um, preenche o vazio deixado pela incerteza jurídica.
Na véspera da reunião de ontem, o BCP foi alertado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) para a necessidade de os accionistas serem avisados dos riscos envolvidos na manutenção da KPMG como auditora da instituição financeira. A empresa desempenhava aquelas funções quando as operações sob investigação foram realizadas e pode vir a ser penalizada.
Pode, sublinhe-se. Porque se a chamada de atenção da autoridade do mercado revelou a sua convicção de que os indícios comprometedores para a KPMG serão fortes, a respectiva investigação não está concluída, apesar da promessa de que estaria terminada antes da assembleia de ontem, no Porto.
Uma situação com alguns contornos semelhantes ocorreu quando o Banco de Portugal deixou entender que os titulares de cargos de gestão durante o período a que se referem as transacções suspeitas deveriam abster-se de se candidatarem à administração. A generalização produziu frutos.
Ajudou a afastar os líderes tradicionais do BCP, serviu de trampolim para um consenso em redor de uma nova equipa, mas nem todos os atingidos viram a questão com idêntica complacência. Foi compreensível a indignação de Miguel Cadilhe, o único que deu a cara em público para a expressar, desafiando a supervisão bancária a procurar fundamentação antes de propagar a suspeição.Entre os motivos que levaram os accionistas do Millennium a aprovar, ontem, a proposta de manutenção da KPMG nas funções de auditoria externa haverá razões de diferente natureza.
Entre os nomes que pesam no capital do banco, apenas Joe Berardo e a Teixeira Duarte não deram o seu aval à solução, sinal de que a sua influência em decisões relevantes já conheceu melhores dias.
A CMVM fez o aviso, os detentores de participações sociais no BCP escutaram e assumiram o risco. Falta o mais importante. E o mais importante é que as autoridades de supervisão concluam as investigações. No Millennium tem havido muito fumo, mas é preciso saber, afinal, qual foi a extensão do fogo e quem o ateou.